O primeiro mergulho | Biquini, 40 anos de rock, refrões e resistência

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Era 1985. O Brasil tentava respirar democracia, os jovens tinham nos ombros uma mistura de ansiedade e liberdade, e no meio desse turbilhão surgiu uma banda que parecia ter vindo pronta para traduzir a inquietação de toda uma geração. O Biquini, sim, aquele bom e velho Biquini Cavadão, não nasceu como promessa, mas como ato de coragem: o atrevimento de quatro garotos que, com guitarras e letras afiadas, decidiram desafiar o tédio. Literalmente.

“Tédio” não só foi a primeira música, mas também o cartão de visitas de um Brasil em ebulição. Era como um grito coletivo: estamos cansados de velhos discursos, queremos novas vozes. E ali, com apoio de Herbert Vianna (Paralamas), o Biquini fincou sua bandeira no mapa do rock nacional.

Anos 80: juventude, política e refrões eternos

O primeiro disco, Cidades em Torrente (1986), era o retrato fiel de uma juventude que buscava um lugar no mundo. Letras afiadas, energia crua e a sensação de que o amanhã podia ser reinventado. Logo em seguida, A Era da Incerteza (1987) colocou no título a fotografia exata da década: o Brasil caminhava sem saber pra onde, e o Biquini cantava essa incerteza em refrões que colavam na memória.

Mas foi com (1989) que a banda deu um salto. “Zé Ninguém” virou hino de uma geração invisível, o retrato do brasileiro comum que ninguém via, mas que todo mundo era. Essa canção extrapolou as rádios e virou quase uma crônica política. E, convenhamos, é impossível não pensar: aquele Zé ainda caminha entre nós, atualizado a cada crise.

Descivilização: o grito no caos

Chega 1991, e o país já não era o mesmo. Havia esperança, mas também decepções e desilusões. O Biquini respondeu com Descivilização, um álbum que não só cutucava as feridas como esfregava sal nelas. O título em si é quase uma tese: em meio ao caos, a arte pode ser civilizatória.

Foi um período de amadurecimento, em que a banda mostrou que não estava ali apenas para divertir,, mas estava ali, sim,  para pensar o Brasil.

Os anos 90 e a reinvenção

A virada para os anos 90 trouxe mudanças de cenário, de mercado, de sonoridade. Agora (1994) foi um marco de transição, enquanto biquini.com.br (1998) mostrou pioneirismo: um disco multimídia, pensado também para internet, quando a rede ainda engatinhava por aqui.

Esse movimento é quase uma metáfora do Biquini como banda: sempre atentos, sempre ousados, nunca acomodados. Enquanto outros grupos se repetiam, o Biquini arriscava.

O início dos anos 2000: Escuta Aqui, porque ainda temos muito a dizer

O novo século começou com Escuta Aqui (2000), seguido pelo “misterioso” 80 (2001). Eram álbuns que refletiam o momento de transição do país e da própria música. A sonoridade flertava com novas influências, mas sem perder a essência do Biquini: letras que misturam poesia e crítica, refrões que pedem coro coletivo, enquanto 80 passava a limpo referências e influências dos músicos.

E aí, em 2007, eles soltam Só Quem Sonha Acordado Vê o Sol Nascer. Um título que parece um mantra, desses que você cola na parede. E, de fato, o disco marca uma fase de introspecção, de olhar para dentro, mas sem perder a conexão com quem escuta. Afinal, sonhar acordado é quase um ato de resistência em um mundo que insiste em querer nos domesticar.

Capa do álbum Só Quem Sonha Acordado Vê o Sol Nascer, de 2007

Biquini, da Roda-Gigante ao presente

Se o início dessa história mostrou o nascimento e a consolidação do Biquini, a segunda parte é a prova de que longevidade no rock não se conquista por acaso.

Roda-Gigante: altos, baixos e voltas

Em 2013, Roda-Gigante surge como síntese do que é uma carreira longeva: cheia de giros, às vezes no topo, às vezes lá embaixo, mas sempre em movimento. O título é quase autobiográfico, e as músicas refletem exatamente esse espírito.

As Voltas Que o Mundo Dá (2017)

Poucos discos têm um título tão autoexplicativo. O Biquini, que já tinha visto mudanças políticas, sociais e tecnológicas, lança em 2017 um álbum que olha para o mundo com ironia e maturidade. A cada música, a sensação é de que a banda está conversando não só com fãs, mas com o próprio tempo.

Ilustre Guerreiro (2018): homenagem e resistência

Aqui, o Biquini presta homenagem a Herbert Vianna, figura crucial na origem da banda. É também um gesto de gratidão, de reconhecer que nenhuma história se escreve sozinha. Ilustre Guerreiro é mais que um disco: é uma reverência, um abraço musical.

Atravessando tempos (2021)

O título não deixa dúvidas: Através dos Tempos é quase um testamento. O Biquini olha pra trás sem nostalgia, mas com consciência de sua importância. É também um disco de diálogo entre gerações: a juventude de 1985 e os jovens de 2021 encontram pontos de conexão.

E isso, talvez, seja o maior legado do Biquini: ser sempre atual, sem precisar forçar a barra.

12 de Junho (2023): a história continua

O mais recente capítulo, 12 de Junho, traz o frescor de quem, mesmo aos 40 anos de estrada, não perdeu o tesão de criar. A data, carregada de simbolismo (Dia dos Namorados), mostra que o Biquini segue acreditando no poder da música como afeto, como encontro, como ponte.


40 anos depois: por que ainda cantamos “Zé Ninguém”?

Olhando a trajetória inteira, fica impossível não perceber: o Biquini é mais que uma banda de rock. É uma trilha sonora coletiva do Brasil urbano, que fala de política, amor, desencanto e esperança com a mesma intensidade. Eu tive o prazer de celebrar com dois integrantes, Bruno Gouveia e Carlos Coelho, os 40 anos do grupo é um papo incrível no Pitadas, que você pode checar dando o play no vídeo abaixo.

Se os anos 80 foram de juventude, os 90 de reinvenção, os 2000 de experimentação e os 2010 de celebração, os 2020 são de consagração.

Quarenta anos depois, Bruno Gouveia, Miguel Flores, Alvaro Birita e Carlos Coelho continuam no palco como quem segura a tocha de uma geração, mas ao mesmo tempo, entregam essa tocha para os novos ouvintes, porque a música do Biquini nunca pertenceu só a eles. Pertence a todos nós.

E talvez esse seja o segredo: o Biquini não envelhece porque está sempre no presente. Cada show, cada música, cada refrão é vivido como se fosse a primeira vez.

Vida longa ao Biquini. E que venham as próximas voltas dessa roda.


Sal

Jornalista, blogueiro, letrista, já fui cantor em uma banda de rock, fotógrafo, fã de música, quadrinhos e cinema...

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