RPM: A Revolução do Rock Nacional em 1985

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1985…

O Brasil estava virando uma página… e que página! A ditadura militar se despedia, o rock nacional ganhava ainda mais holofotes e a juventude parecia finalmente respirar sem medo. Era o tempo dos cabelos arrepiados com gel, roupas com cores ácidas, dos teclados futuristas e da rebeldia com batida dançante. Foi ali, no olho desse furacão criativo, que surgiu o RPM com seu álbum de estreia: Revoluções por Minuto.

E, bicho… que estreia!

Pra quem, como eu, viveu aquele período, o impacto foi imediato. O disco chegou com uma mistura explosiva de pose, poesia e provocação. Paulo Ricardo, Luiz Schiavon, Fernando Deluqui e Paulo Pagni, o P.A. não estavam apenas lançando um álbum, estavam na turma seleta daqueles que capturaram o som de uma geração que queria ser ouvida.


O ano em que o Brasil acelerou

A primeira vez que toquei o vinil, lembro bem: era um sábado de sol, a agulha descia devagar, e logo os primeiros acordes de Louras Geladas (que havia bombado recentemente nas FMs de todo Brasil) tomaram conta da sala. Aquilo era moderno, era elegante, era ousado, era pop e, ao mesmo tempo, tinha alma rock’n’roll.

Dali em diante foi um atropelo. Olhar 43, A Cruz e a Espada, Rádio Pirata, Revoluções por Minuto, Juvenília… cada faixa parecia uma pedrada cuidadosamente produzida por Luiz Carlos Maluly, que trouxe um brilho internacional ao som da banda sem perder o sotaque brasileiro.

O álbum, lançado pela CBS, surpreendeu até a gravadora. A previsão de vendas era modesta, cinquenta mil cópias, se muito. Mas o RPM, sempre exagerado (no melhor sentido), passou de um milhão de discos vendidos. Foi uma revolução sonora, mas também visual, estética, comportamental.


O design, a imagem, o impacto

A capa, criada por Alex Flemming a partir de uma foto de Rui Mendes, “montada” por Ricardo Leite, era puro conceito: linhas verticais feitas de fósforos embebidos em tinta.
Sim, baby… fósforos! Uma metáfora perfeita para o RPM, inflamável, intenso e pronto pra acender qualquer ambiente. Light My Fire, baby!

A curiosidade é que o baterista P.A. não aparece na foto oficial do LP, aparecendo apenas como “músico convidado” no encarte interno. Essas tensões internas davam o tempero certo à banda, que parecia viver sempre entre o amor e o caos.


Algumas faixas — Um vinil de histórias

“Louras Geladas” foi a responsável pela apresentação da banda ao grande público. A canção é de uma energia irresistível, e não à toa virou o primeiro sucesso. Um riff marcante, refrão pegajoso… um retrato emblemático da estética e da psicologia do rock brasileiro dos anos 1980: hedonismo, solidão e desejo se misturam num coquetel melancólico servido na mesa de um bar. Uma crônica da ressaca emocional

“Revoluções por Minuto”, a faixa-título, foi censurada por causa de um verso inocente (“aqui na esquina cheiram cola”). Mesmo assim, a canção se tornou uma espécie de manifesto da banda. Um hino da juventude urbana em busca de espaço. A letra é um terreno fértil para múltiplas leituras: política, cultural, existencial, e que permite extrair tensões que vão muito além de um protesto explícito. 

“A Cruz e a Espada” mostrou que o RPM também sabia ser profundo. É uma das grandes letras do pop brasileiro, um retrato lírico dos conflitos de fé, amor e contradição. Uma daquelas letras que, à primeira vista, parecem simples, mas carregam uma densidade emocional e existencial que vai se revelando verso a verso. Uma canção sobre a maturidade emocional, sobre o preço de crescer e se tornar consciente demais. Ela captura a transição de uma geração que saía da ditadura e entrava na modernidade: livre, mas perdida; desejante, mas cética. É, em essência, um retrato do fim da ingenuidade, pintado com o lirismo contido e elegante de Paulo Ricardo, aquele tipo de dor que não grita, apenas ecoa.

“Olhar 43”, um marco absoluto do pop-rock nacional, misturando libido, ironia, ego e juventude sob o embalo dos sintetizadores e da teatralidade de Paulo Ricardo, e o transformou num símbolo sexual dos anos 80. Uma canção que envelheceu como um espelho dos anos 80. Exagerada, vaidosa, contraditória, mas cheia de charme. Paulo Ricardo constrói uma narrativa de desejo e ironia em ritmo de pista de dança e transforma a vergonha e a rejeição em espetáculo.

É o erotismo com gel no cabelo, espinhas no rosto e jaqueta de couro; é o drama adolescente que ri de si mesmo. E talvez por isso continue tão viva, pois quase todo mundo, em algum momento, já deu um olhar 43 pra alguém que nem reparou. Uma das melhores composições do grupo, com arranjo cheio de nuances e teclados que parecem vir direto de um filme do John Hughes.

E o que dizer da música de abertura do álbum “Rádio Pirata”?  Uma das canções mais simbólicas e inteligentes do rock brasileiro dos anos 80. O RPM conseguiu, nessa faixa, condensar um espírito de contestação e liberdade criativa num formato pop, acessível e ainda assim profundamente político, ainda que sem bandeiras explícitas. A canção surge no momento de transição entre ditadura e redemocratização no Brasil. A censura começava a se afrouxar, mas o país ainda vivia sob o eco da repressão. 

“Rádio Pirata” é uma das canções que melhor traduzem a alma do rock brasileiro dos anos 80: crítica, poética, rebelde e radiofônica. Fala de liberdade artística, de ruptura com o establishment e do poder da comunicação como ferramenta de transformação. Por trás do refrão contagiante, há um manifesto disfarçado de hit, o que nos leva a crer que no fim das contas, “Rádio Pirata” é mais do que uma metáfora: é a própria banda, transmitindo sua revolta e paixão pelas brechas do sistema.


A revolução continua

O sucesso do disco de estreia foi tão grande que logo veio o show “Rádio Pirata ao Vivo”, e que se transformou em outro disco histórico. Eu assisti essa apresentação no saudoso Canecão, no Rio de Janeiro e posso garantir: aquilo não foi apenas um show, foi uma catarse coletiva. O público cantava cada verso como se fosse um manifesto, e o RPM reinava absoluto no palco com uma produção, realizada por Ney Matogrosso, que também comandava a iluminação, de tirar o fôlego.

Poucas bandas conseguiram capturar o espírito do tempo como o RPM. Eles foram modernos sem serem frios, comerciais sem perder o senso de arte, e ousados sem deixar de ser populares.  Revoluções por Minuto é um daqueles álbuns que envelhecem bem porque nasceram com propósito, com alma e com um quê de inconformismo que nunca sai de moda.


O som da transição

O disco é também um retrato fiel da transição dos anos 70 para os 80, quando o Brasil trocava as botas do progressivo pelos sintetizadores do new wave. E o RPM entendeu a mudança como poucos.

Não é exagero dizer que eles foram os embaixadores do pop eletrônico brasileiro. 

Em 2025, quando o álbum completa 40 anos, ainda soa atual, elegante e urgente. E pra quem viveu aquele tempo, é impossível não sentir o coração bater mais forte a cada acorde do álbum.


Um vinil que virou memória

Se existe um disco que define os anos 80 brasileiros, Revoluções por Minuto está no topo da lista.  Não apenas pela qualidade técnica, mas pela capacidade de traduzir uma época em som. Era o barulho da juventude se libertando.

E toda vez que coloco o disco pra tocar, sinto o mesmo arrepio de 1985, o som girando na vitrola, o chiado da agulha, e a sensação de que o futuro, finalmente, tinha chegado.


📻 Revoluções por Minuto não foi só um álbum. Foi um estado de espírito.
E, convenhamos, ainda é.


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🔗 Assista a live sobre o álbum com a participação do jornalista Emílio Pacheco, que resenhou o disco para o livro 1985 – O Ano Que Repaginou a Música Brasileira, organizado por Célio Albuquerque e lançado pela editora Garota FM Books. Garanta seu exemplar aqui!


Sal

Jornalista, blogueiro, letrista, já fui cantor em uma banda de rock, fotógrafo, fã de música, quadrinhos e cinema...

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