Um caderno chamado Minha Vida

Há muito tempo em uma galáxia não tão distante, na verdade aqui mesmo, entre a segunda metade dos anos 1980 e início dos 1990, eu escrevia alguns textos sobre as coisas que aconteciam comigo… Eram nas páginas de um surrado caderno, o qual eu chamava de Minha Vida, que eu exorcizava meus fantasmas. Como não tinha grana para fazer uma terapia, eu escrevia. Alguns amigos me chamavam de “poeta”. Título muito nobre para um garoto que apenas escrevia o que sentia. O texto abaixo eu escrevi após dois episódios que vivenciei, seguidamente. O primeiro foi durante uma viagem de ônibus que fiz voltando do Leblon para Copacabana. O ônibus estava cheio, sem lugares para sentar e eu parei diante de uma menina, com minha velha mochila jeans, a qual estava o meu caderno dentro. Ela, gentilmente se ofereceu para “segurar” minha mochila. O segundo episódio foi alguns dias depois, em São Pedro d’Aldeia, na Praia do Sudoeste. Era a noite de um dia no meio da semana, férias de verão, eu e uns amigos iríamos ao “centro” da cidade. Uma de nossas amigas não quis ir, preferindo ficar sozinha na praia, que por ser no meio da semana, estava deserta. Eu entrei em casa, peguei meu caderno e a entreguei para que esse lhe servisse de companhia até voltarmos… No dia seguinte ela me devolveu o caderno com uma carta supercarinhosa, na qual me agradecia o gesto. Segue…

Gustav Klimt – Danae (1907)

Minha Vida

Apareceu você não sei bem de onde
Pediu a Minha Vida e a colocou em seu colo
Sem saber ao certo o que estava fazendo

Você folheou a Minha Vida
Sem saber que por onde seus olhos passavam
Era a Minha Vida

Minha Vida amassada
Gasta
Suja e rabiscada
Mas a Minha Vida

Você levou a Minha Vida para o seu quarto
E a deitou na sua cama
Dormiu
Sonhou
E se identificou com a minha vida

Você acordou com a Minha Vida por perto
E por dentro de ti

Chorou!
Sorriu!
E gozou com a Minha Vida

Por raros momentos Minha Vida fez parte da sua vida
Assim como de outras vidas
Hoje é apenas a minha vida

Minha Vida já andou por mãos delicadas
Foi vista por pessoas pequenas
E por olhos grandes como a lua

Minha Vida já viajou pra longe
E voltou pra minha vida

Já sorri muito e chorei demais para Minha Vida
Já inventei histórias verdadeiras para Minha Vida
Sobre a minha vida
Só a Minha Vida para aturar minha vida

A Minha Vida é o melhor e o pior da minha vida
A Minha Vida me dá forças para viver
A Minha Vida me vive
A minha vida é a Minha Vida!

E eu vivo a minha vida criando loucuras lúcidas
Num apetite voraz
De viver a Vida!

Sal

Jornalista, blogueiro, letrista, já fui cantor em uma banda de rock, fotógrafo, fã de música, quadrinhos e cinema...

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