O Congresso da Degradação: quando o poder se transforma em circo e o crime em rotina
🎧 Leia ouvindo “Cálice”, de Chico Buarque, porque toda indignação merece trilha sonora.

Há tempos a política brasileira parece um picadeiro sem risada. Um espetáculo grotesco em que palhaços sem graça se revezam com malabaristas de verbas e mágicos que fazem desaparecer milhões dos cofres públicos. O Congresso Nacional, que deveria ser o coração da democracia, virou uma arena de egos, lives, hashtags e interesses particulares.
O que muita gente sente, aquele nojo, aquela descrença, não é exagero. É o reflexo de um poder corroído por dentro, onde a ética virou piada e o senso de responsabilidade foi substituído por curtidas e superchats.
A nova política do like: quando o influencer senta na cadeira do deputado
Não é mais o tempo dos parlamentares que estudavam leis, negociavam com habilidade e pensavam o país. Hoje, a moda é ser influencer político.
Figuras como Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO) não ascenderam pelo debate qualificado, mas pela viralização de vídeos curtos, memes e provocações rasas. O Congresso, que antes era uma arena de ideias, agora parece um feed de rede social onde vale mais o “engajamento” do que o argumento.
O problema não é a origem desses novos atores, mas o que eles fazem com o poder que conquistam. Em vez de legislar, performam. Em vez de representar o povo, monetizam.
Uma denúncia grave: investigação do Intercept Brasil revelou que esses deputados usam seus mandatos como vitrine de negócios, driblando regras da Câmara para faturar com mentorias, assinaturas e bastidores pagos. O gabinete virou estúdio, e o cargo, um produto.
E quando a Justiça tenta agir, o roteiro se repete: Nikolas é acusado de fake news eleitorais, desobediência judicial e difamação, mas se vende como vítima de censura. O vídeo vale mais do que a verdade, e a mentira, se render visualização, vira moeda política.
O resultado? Um Congresso transformado em uma bolha de eco, onde o debate é substituído por slogans e o grito vale mais que a razão.
O projeto de poder: blindagem, impunidade e domínio institucional
Mas há um plano por trás do caos. E ele não é improvisado.
A extrema-direita sabe que o jogo do poder passa pelo Senado Federal. É lá que se decide o destino de autoridades, ministros e instituições. E falta pouco, cerca de 16 cadeiras, para garantir a maioria absoluta a partir de 2027.
Esse domínio não é sobre política, é sobre controle. A ideia é simples: blindar aliados, intimidar o Supremo Tribunal Federal e garantir impunidade. Um projeto de poder que se disfarça de “defesa da liberdade”, mas tem cheiro de autoritarismo e sabor de revanche.
A estratégia vem de baixo: usar prefeitos eleitos em 2024 como base de sustentação para 2026. O próprio Gayer confessou: “A ideia é eleger prefeitos agora para usar a máquina depois.”, e o cinismo com que isso é dito mostra o quanto o poder deixou de ser serviço público para se tornar engenharia de dominação.
O “Mensalão do INSS”: a corrupção que rouba quem já não tem mais nada
E se o “influencer político” e o “projeto de poder” já são sintomas graves, o “Mensalão do INSS” é o diagnóstico final de uma doença terminal.
Entre 2019 e 2024, estima-se que mais de R$ 6 bilhões tenham sido desviados de aposentados e pensionistas. O golpe era simples e cruel: filiações automáticas a associações fantasmas que cobravam taxas diretamente do benefício.
A Polícia Federal descobriu que deputados e senadores, de diferentes partidos, recebiam mesadas de até R$ 50 mil dessas entidades em troca de influência e proteção. Gente que deveria fiscalizar o governo estava roubando de quem depende do INSS para comprar remédio e comida.
Quando o assunto é propina, com raras exceções, o Congresso se une no pior denominador comum: o dinheiro fácil. E, claro, quando o escândalo estoura, o jogo da culpa começa. Cada grupo tenta empurrar o problema para o outro, enquanto a população, a verdadeira vítima, continua pagando a conta.

A barbárie como palanque: o fetiche da violência
Em meio à sujeira política, um tema é explorado até o limite do cinismo: a segurança pública.
Basta uma operação sangrenta no Rio ou em São Paulo para os discursos inflamados ressurgirem nas redes: “Bandido bom é bandido morto!”
Mas essa lógica não combate o crime, ela o alimenta.
O Intercept mostrou como a desinformação sobre uma simples fiscalização do Pix levou o governo a recuar de medidas que poderiam coibir o lavagem de dinheiro do PCC. Resultado: o crime agradeceu, o populismo venceu.
Enquanto isso, o armamento fácil, incentivado por essa mesma ala política, fez o preço de fuzis cair e o poder do tráfico crescer.
A ironia é trágica: os mesmos que posam de “defensores da lei e da ordem” ajudam, direta ou indiretamente, a fortalecer o crime que fingem combater.
Do circo à lama: o retrato de um poder em decomposição
A soma de tudo isso, o influencer oportunista, o projeto de poder autoritário, a corrupção sistêmica e o discurso de ódio, forma o retrato de um Congresso que perdeu o rumo.
O cidadão, diante desse espetáculo grotesco, sente nojo. E tem razão. Mas o nojo sozinho não basta.
Se a indignação não se transforma em ação, ela evapora. É preciso vigilância cívica, educação política e apoio ao jornalismo independente, aquele que ainda ousa colocar o dedo na ferida.
Enquanto o Congresso se diverte com o próprio circo, o país sangra nos bastidores.
E limpar essa lama exigirá mais do que protesto, exigirá lucidez, persistência e a coragem de não se deixar enganar pelo show.
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