Veteranos dos Bares
Só na noite é que saímos para lugares que já ficaram marcados no dia anterior. Onde nossos fantasmas, à espera, guardam sempre um lugar para o dia seguinte.
Uns vão pro Baixo Leblon, outros pra Cidade-Baixa, alguns estão no Pontão do Lago Sul e têm os que vão para a Ladeira do Pelô, ou ainda pra suave brisa da Beira-Mar. Sem contar os sempre cheios da Vila Madalena.
Em qualquer lugar os bares, esse templo sagrado dos boêmios, reúne lindos personagens da cidade, oculta pelos olhos do dia, pela ausência de culpa, revelando segredos que o sol não consegue decifrar.
Nesses encontros, às vezes secretos, onde secretíssimos dialetos são desenvolvidos e ganham corpo. Nos templos etílicos das pequenas metrópoles e dos imensos povoados, seguimos em comunhão os rituais solenes, insolentes. A garrafa, o copo, a toalha, a mesa. Falamos da vida, dividimos nosso cotidiano, expomos nossas feridas, refazemos planos. Os assuntos se confundem, se misturam, são diversos. Tomamos porres de canções, de prosas, de versos e colecionamos amores. Mas cuidado, pois descarta-se os abandonos.
Somos veteranos dos bares, bêbados, abandonados, sem lar, sem vínculo, que delineando as dores com cerveja, choramos juntos, sozinhos, a tristeza. E sobrevivemos. Ah, e como sobrevivemos. Com graça, com encanto, sem canto e rimos da solidão pelas madrugadas insones, onde o céu é um quadro negro de luzes singelas que contrasta com as estrelas que sobem no gás, nas espumas e escorre pelo ralo, pelo bueiro.
Com tudo, há o amor. Sempre belo, idealizado, com os pactos fechados, nem sempre cumpridos, muitas vezes sufocado, quase sempre sofrido, machucado. Mas nossa promessa de não chorar, para não derramar lágrimas que não são compreendidas, quase é traída quando nossos olhos, pelo calor dos bares, teimam em suar.
por Ariston Sal Junior
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