B+P: A Nova Versão de ‘Preciso Me Encontrar’
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📺B+P – Blancato & Paumgartten – YouTube

Como dizia o poeta, “a vida é feita de encontros”. Às vezes de reencontros. Uma canção lançada originalmente em 1976 na voz do Cartola, composta por Candeia, ganhou uma nova versão pelo duo ‘trip hop tropical’ B+P. O resultado é uma ponte entre o samba carioca das vielas e a eletrônica introspectiva das metrópoles. Uma releitura que respira passado e pulsa no presente, como se o tempo fosse dobrado sobre si mesmo.

Cartola e “Preciso Me Encontrar”: um relicário da liberdade
“Preciso Me Encontrar” é uma espécie de manifesto musical, onde a dor, o desejo e a busca pessoal se entrelaçam em versos concisos e melodia fluida. É um samba confessional: “Deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar”, canta Cartola com sua voz suave.
Esse tipo de música sobrevive ao tempo porque é humana demais, fala de alma, de afeto, de deslocamento emocional. Sempre teve ganchos com jazz, com chorinho, com poesia pura. Quem reescreve isso não pode perder a leveza nem sufocar a essência.
Quem são B+P: dupla de inquietudes e texturas sonoras
Antes de mergulhar na versão, vale olhar para quem aceitou esse desafio. O B+P surge como união de duas trajetórias que respiram experimentação. Formado em Uberlândia (MG), por Ana Blancato e André Paumgartten, o duo apresenta uma mistura inusitada de trip-hop e brasilidades, incluindo sons nordestinos, nortistas e de referências afro-brasileiras.
Eles caminham entre o eletrônico, o trip-hop, o jazz e as brasilidades, criando atmosferas densas, repletas de suspiros, pausas e microtexturas. Posso imaginar: eles escutam Portishead, Massiva Attack, mas também Cartola, Dorival Caymmi, Hermeto Pascoal, não como contradição, mas como um diálogo interno. O que me encanta no B+P é essa postura de “não-lugar sonoro”, de buscar na fronteira entre gêneros os espaços de silêncio, sombra e luz.
A estética deles não é de brilho gritante, mas de luz contida, daquela que refugia o ouvinte no meio da pista escura, onde se ouve o próprio pulso.
A releitura: contrastes e sutilezas
Quando ouço B+P – Preciso Me Encontrar, clico um botão mental: atenção ao detalhe. Eles não fazem remake, fazem reparação afetiva. A faixa abre com uma ambientação leve, texturas percursivas, uma batida que caminha devagar, sem pressa. A voz entra, sempre firme, com identidade própria, como se emergisse de uma névoa.
O mais extraordinário: isso continua sendo Cartola, não um cover frio. Porque o B+P reafirma o “eu” poético da canção, mas o posiciona num outro tempo, o dos ouvidos modernos, eletrônicos, urbanos.
Por que revisitar clássicos com coragem é preciso?
Quando artistas ousam refazer um clássico, correm dois perigos: ou perdem a identidade original (virando algo excessivamente “nova versão”) ou não acrescentam nada (ficando caricato). O B+P acerta no equilíbrio: ele respeita a estrutura emocional de “Preciso Me Encontrar”, mas tem pulso para reinventar.
Esse tipo de trabalho confirma algo que sempre digo: a cultura, quando pulsante, se dobra, se dobra de novo, e ressurge. Não é uma cópia nem uma apropriação; é continuação. É uma fagulha que acende outras fagulhas.
Quando Cartola cantava “preciso me encontrar”, talvez não imaginasse que outros artistas, décadas depois, fariam dessa mesma canção um mapa emocional para novas gerações. O que nos une ao passado é essa capacidade de reinventar, de ouvir velhas palavras e reconhecer, nelas, pedaços de nós mesmos.
Escute agora
Convido você a ouvir a versão do B+P no Spotify: Preciso Me Encontrar — ouça aqui (Spotify)
Preste atenção ao que acontece nos segundos 0:45 a 1:20 — ali as camadas começam a se revelar com nuances que merecem atenção.
Depois disso, volte aqui, relê o texto e me diz: o que te tocou mais? Que imagem musical surgiu na sua cabeça?
No fim, é isso que importa: a música continua a nos encontrar, seja no samba, seja na eletrônica, seja naquilo que você sente enquanto escuta.

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