Lô Borges: o menino da esquina, o poeta do som

🎧 Ouça: “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo” – Lô Borges & Milton Nascimento, 1972


O Brasil perdeu neste domingo, 2 de novembro de 2025, um dos seus maiores compositores: Lô Borges, o mineiro que, com apenas 19 anos, ajudou a mudar o rumo da música brasileira.

Faleceu em Belo Horizonte, aos 73 anos, vítima de falência múltipla de órgãos, após dias internado. Mas é importante dizer desde já: Lô Borges não morreu, pra mim ele se transformou em música.

Sim, porque há artistas que vivem além do tempo. Gente que planta canções como quem semeia girassóis, e mesmo depois de partir, segue iluminando o caminho da gente.

Lô foi assim: discreto, tímido, quase um antiastro. Mas quando tocava seu violão, o universo se organizava. Das suas mãos nasceram melodias que pareciam vir de um lugar entre o sonho e o asfalto. Junto de Milton Nascimento, Márcio Borges, Beto Guedes, Wagner Tiso e tantos outros, fundou o Clube da Esquina, aquele movimento que nasceu em Minas e ganhou o mundo. Uma mistura de rock, jazz, bossa, Beatles e alma mineira.

O que ele fez aos 19 anos, convenhamos, poucos fariam numa vida inteira: compor “O Trem Azul”, “Para Lennon e McCartney”, “Nuvem Cigana” e, claro, “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo”, com seu irmão, Márcio, a música que pra mim é a mais linda da história da música brasileira.

Essa canção tem tudo o que Lô foi: sensibilidade, pureza, delicadeza. É sol e sombra. É juventude e eternidade. Quando ela toca, o mundo parece desacelerar, como se a gente pudesse, por um instante, ver o tempo respirar.


O Som das Esquinas

Lô nunca precisou de megafones. Sua revolução foi silenciosa. Ele fazia da simplicidade um instrumento de transcendência. Cantava o cotidiano, mas fazia dele poesia.

O álbum “Clube da Esquina” (1972) é, sem exagero, um divisor de águas, e Lô está no coração dele. A capa icônica, o som do álbum, os violões cruzados com os arranjos de Milton, as harmonias abertas, a sonoridade internacional sem perder o sotaque das Gerais.

Ele era o garoto que compunha de chinelo, no quintal, olhando o céu. E talvez por isso mesmo tenha conseguido criar músicas que parecem respirar o ar do interior, o cheiro do café fresco, o som distante do trem, tudo isso transformado em harmonia e melodia. Eu sei que ele morava em BH, mas gosto de imaginar o cenário do interior.

Depois do “Clube”, veio seu disco solo ainda em 1972, aquele da capa azul-esverdeada — o “Disco do Tênis”. Um álbum que envelheceu como vinho raro. Psicodélico, ousado, cheio de melodias desconcertantes e letras de alma. Hoje é cultuado por músicos do mundo inteiro, de nomes do indie americano a produtores britânicos que o tratam como relíquia sagrada.


Minhas Memórias com Lô

Falo aqui não só como jornalista, mas como fã. Cresci ouvindo Lô Borges. Suas canções me formaram, antes mesmo de eu entender teoria musical ou crítica cultural. Assisti a shows inesquecíveis no Canecão e no Circo Voador. Aquele garoto tímido de Belo Horizonte subia ao palco e, do nada, o tempo parava.

Em 2018, tive a chance de entrevistá-lo em Uberlândia, num evento musical. Foi rápido, mas marcante. Ele era exatamente o que parecia ser nas canções: sereno, gentil, quase tímido demais pra tanta genialidade. Infelizmente, perdi o vídeo dessa conversa. Mas o que ficou é a lembrança da simplicidade dele, da fala calma, do olhar doce e da certeza de estar diante de um gigante.


O Legado que Fica

Lô Borges foi, é e será o símbolo da pureza musical. Sua obra ensina que a beleza pode ser leve, que a poesia pode morar num acorde menor, e que as canções mais verdadeiras nascem de dentro, sem pressa, sem vaidade.

Ele nunca precisou correr atrás da fama. Ela é que o perseguiu. E mesmo assim, Lô permaneceu fiel à essência. A música dele continua a mesma: um convite ao silêncio, à escuta, ao mergulho.

Lô Borges não era de discursos, mas sua arte fala por ele. E o que ela diz é simples e profundo: que a vida, apesar de tudo, ainda pode ser bonita, da cor do sol, da cor do cabelo, do vestido, da cor da alma. 🌻


“Lô Borges partiu, mas seu som ficou ecoando nas esquinas do mundo.”
E é lá que vou continuar ouvindo, nas esquinas da memória, da saudade e da beleza que ele espalhou sem alarde, mas com infinito amor.



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Sal

Jornalista, blogueiro, letrista, já fui cantor em uma banda de rock, fotógrafo, fã de música, quadrinhos e cinema...

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