Bolsonarismo em Cena: A Seita do Século XXI
O Brasil Virou um Reality Show
O Brasil pós-2018 virou uma espécie de novela trash com roteiro improvisado. Um Big Brother político, só que sem Boninho (por onde ele anda?) pra segurar a bagunça. De um lado, um líder que mistura culto religioso com stand-up de quinta categoria; do outro, uma plateia hipnotizada que topa acreditar em qualquer coisa, mesmo que a realidade esteja esfregando o contrário na cara dela.
É como se o país tivesse entrado numa simbiose entre “Os Trapalhões” e “Black Mirror”. Riso nervoso, vergonha alheia e medo genuíno do que virá no próximo episódio. E, claro, tudo embalado por hashtags, lives no cercadinho e memes de WhatsApp. O bolsonarismo não é só um movimento político: é uma máquina de distorção da realidade que mistura três ingredientes mortais: dissonância cognitiva, pânico moral e fundamentalismo religioso.
Um coquetel desses não sai da coqueteleira sem estrago. E o resultado? Uma base radicalizada, instituições fragilizadas e um país que parece andar na beira do abismo enquanto canta “mito, mito” como mantra.

O Tripé Tóxico do Bolsonarismo
1. Dissonância Cognitiva: O País da Pós-Verdade
Você já tentou convencer alguém que jurava de pé junto que a Terra é plana de que ela é redonda? Pois é. Agora multiplica isso por 210 milhões de habitantes e joga na conta o poder das redes sociais.
A dissonância cognitiva é aquele nó mental quando a crença não bate com a realidade. No bolsonarismo, virou política de governo. O exemplo mais emblemático? As eleições de 2022. O TSE confirmou, a OEA confirmou, até observadores europeus confirmaram que o processo foi limpo. Mas bastava Bolsonaro dizer “fraude” que milhares repetiam como se fosse versículo bíblico. Negar a realidade virou ato de patriotismo.
E na pandemia o roteiro se repetiu. Vacinas “experimentais”, cloroquina como milagre, ivermectina como escudo mágico. O presidente dizia que não tomaria vacina, pois era “só uma gripezinha” e uma parte da população preferiu arriscar a vida da família a admitir que ele estava errado.
No fundo, o bolsonarismo transformou o “não li, não gostei” em filosofia nacional. Um país inteiro se viu preso entre a realidade científica e a fé cega no líder. E quando se escolheu a segunda opção, o preço veio em caixões e estatísticas de mortes evitáveis.

2. Pânico Moral: O Inimigo Mora ao Lado
Se a dissonância cognitiva cria o mundo paralelo, o pânico moral dá o tempero. A técnica é antiga: inventar inimigos e transformá-los em ameaça existencial. E assim morrem as democracias.
No bolsonarismo, qualquer coisa que não se encaixe na narrativa oficial vira “perigo para a família brasileira”: professores, jornalistas, ONGs, artistas, LGBT+, indígenas, universidades. Um cardápio inteiro de inimigos imaginários.
Carlos Bolsonaro, o Carluxo, foi o roteirista-mestre dessa paranoia digital. No Twitter e no Instagram, transformou críticas em conspirações, memes em armas políticas. O resultado? Um brasileiro comum acredita que o professor de história é “comunista infiltrado” e que a jornalista é “vendida à GloboLixo”.
Flávio Bolsonaro, por sua vez, usa as denúncias de rachadinhas como palco de vitimização: “sou perseguido pela esquerda, sou alvo do sistema”. Cada investigação vira espetáculo, reforçando a sensação de cerco e alimentando o ódio contra instituições.
E assim o pânico moral se espalha: uma fake news sobre “kit gay” gera histeria nacional; uma invenção sobre “doutrinação comunista” coloca professores na berlinda. Tudo isso legitima agressões, polariza relações familiares, e culmina em cenas grotescas como a invasão de 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes acreditaram estar “defendendo a democracia” enquanto destruíam seus símbolos.

3. Fundamentalismo Religioso: Deus Como Cabo Eleitoral
Se já não bastasse distorcer a lógica e alimentar o pânico, o bolsonarismo resolveu instrumentalizar a fé. Não estamos falando de espiritualidade ou da liberdade religiosa legítima, mas da transformação de Deus em ferramenta de campanha.
“Deus acima de todos” virou slogan político. Cultos se transformaram em palanques. Pastores, em cabos eleitorais de luxo. Bolsonaro usou a Bíblia como escudo em discursos inflamados, enquanto líderes evangélicos reforçavam que votar nele era “um dever cristão”. Alô, Malacraia!
Paulo Guedes chegou a invocar Deus para justificar reformas econômicas impopulares. Bolsonaro promoveu jejum coletivo em plena pandemia, como se vírus respeitasse fé. E qualquer crítica ao governo passou a ser retratada como “ataque a Deus”.
É a manipulação da fé como nunca vista: se você questiona o líder, automaticamente questiona o divino. E quando política e religião se confundem desse jeito, a democracia perde, porque o debate público é substituído por dogma.

O Bolsonarismo em Ação: Dos Casos Emblemáticos ao Palco do Congresso
Casos Emblemáticos: Quando a Ficção Engole a Realidade
A Pandemia e o Circo das Vacinas
Se tem um capítulo da história recente que escancara o bolsonarismo, é a pandemia. O mundo inteiro correndo atrás de vacinas, protocolos, ciência. E o Brasil? Virou laboratório de improviso. Bolsonaro chamou a COVID-19 de “gripezinha”, fez piada com quem estava sem ar imitando uma pessoa com falta de ar em rede nacional e, quanto ao número crescente de mortes por conta do vírus, declarou: “e daí? não sou coveiro”. Ele debochou de quem se protegia com máscara.
Enquanto cientistas suavam para salvar vidas, o presidente e seus filhos transformavam cloroquina em solução milagrosa, mesmo com estudos provando sua ineficácia. A população ficou dividida entre ouvir a medicina ou seguir a fé no “mito”. O resultado está nos números: segundo a Agência Senado, 4 de cada 5 mortes teriam sido evitadas se o Brasil estivesse na média mundial de óbitos pela covid-19, ou seja, 400 mil mortes não teriam ocorrido. No país, 2.345 pessoas morreram pelo coronavírus para cada um milhão de habitantes; média mundial é de 494 pessoas. É como se desaparecesse a população inteira de uma cidade média brasileira.
E, ainda assim, Bolsonaro dizia em lives que não tomaria vacina, que não confiava. Parte da base aplaudiu. Foi o maior ato coletivo de dissonância cognitiva da nossa história: escolher acreditar no líder em vez de confiar na ciência.

Ataques às Instituições: O Tiro no Pé da Democracia
Outro roteiro repetido foi o ataque às instituições. O STF virou alvo diário. O TSE, uma “ameaça”. As Forças Armadas, transformadas em supostos fiscais eleitorais. Cada vez que Bolsonaro perdia no campo jurídico, surgia uma narrativa de “perseguição”.
Em setembro de 2021, no famoso discurso do Sete de Setembro, ele chegou a dizer que não cumpriria decisões do ministro Alexandre de Moraes. Foi o auge do flerte com o autoritarismo, a tentativa de corroer a democracia de dentro.
A ironia é que, enquanto se dizia defensor da liberdade, Bolsonaro e aliados promoviam ataques verbais e digitais a jornalistas, artistas, professores. A liberdade de expressão só valia para quem falava a favor. Para o resto, vinham perseguições, ameaças e processos.

Corrupção: Da Rachadinha ao Escândalo Silenciado
Lembra daquela promessa de “não ter corrupção no governo”? Pois é, virou meme. O caso das rachadinhas de Flávio Bolsonaro, revelado em 2019, mostrou que o clã não é imune ao velho fisiologismo brasileiro. Isso sem contar roubo de joias e similares… Dinheiro de assessores desviados, imóveis comprados em dinheiro vivo, explicações mirabolantes que dariam inveja a roteiristas de novela mexicana.
Cada acusação era tratada como perseguição. Flávio se fazia de vítima, Eduardo falava em “sistema contra nós”, e Jair usava a retórica do “querem me derrubar”. A narrativa de coitadismo era tão bem ensaiada que parte da base acreditava piamente.
Mas não parou aí. Teve também denúncia de corrupção no Ministério da Educação, com pastores pedindo propina em barra de ouro para liberar verba. Teve escândalo de superfaturamento de vacinas, como o caso Covaxin. Tudo abafado no discurso oficial, mas fartamente documentado em CPI e na imprensa.
O bolsonarismo prometeu moralizar a política. Na prática, reciclou as mesmas práticas antigas, embrulhadas em discurso messiânico.

O Congresso Como Palco de Reality Show
Se o Executivo funcionava como reality de improviso, o Congresso virou versão deluxe, com transmissão ao vivo e cortes estrategicamente editados para viralizar.
A extrema direita transformou a Câmara em um palco digital. A lógica é simples: não importa se o projeto de lei vai resolver algo, o que importa é se o discurso rende corte no Instagram. É a política como performance, não como serviço público.

Vamos aos personagens atuais dessa novela:
Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) — O Pastor Legislador
Líder do PL na Câmara, o vomitativo Sóstenes é o político que mistura púlpito com tribuna. De formação teológica, fez carreira na Frente Parlamentar Evangélica e hoje comanda quase 90 deputados. Seus discursos têm sempre um toque pastoral: aborto é “homicídio”, diversidade é “ameaça à família”.
Não importa se os projetos têm embasamento jurídico ou social, o que importa é a narrativa moral. E, convenhamos, funciona. Em tempos de bolsonarismo, quem grita “Deus” mais alto ganha mais cliques.
Tenente-Coronel Zucco (PL-RS) — O Militar Performático
Com histórico no Exército e na segurança pública, o vomitativo Zucco encarna a figura do militar que promete “ordem” e “combate à criminalidade”. Na prática, seus discursos têm mais efeito midiático do que prático.
A cada intervenção, o tom é calculado: frases curtas, impacto rápido, perfeitas para virar recorte em vídeo. Ele fala para as câmeras, não para os pares no plenário. É a militarização da política convertida em performance digital.
Nikolas Ferreira (PL-MG) — O Influencer Parlamentar
Se o bolsonarismo é uma religião, o vomitativo Nikolas é seu pastor digital. Com apenas 26 anos, se tornou o deputado mais votado do país em 2022, com mais de 1,4 milhão de votos.
Sua lógica é simples: política como entretenimento. Cada fala é pensada como produto audiovisual. CPI das Bets? Corte viral. Defesa da anistia dos presos de 8 de janeiro? Corte viral. Discurso com peruca zombando da comunidade trans? Corte viral.
É a política sob a lógica do algoritmo: o que importa não é legislar, mas engajar. Nikolas é a síntese perfeita da era bolsonarista: mais influencer do que parlamentar.
Paulo Bilynskyj (PL-SP) — O Delegado de Narrativas
Delegado de polícia, conhecido por uma tragédia pessoal (uma tentativa de homicídio em 2020), o mais vomitativo de todos, Bilynskyj leva para a política a aura do policial truculento.
Preside comissão de segurança, mas seus discursos frequentemente soam mais como roteiro de série policial do que como propostas de políticas públicas. Ele encarna o “herói ferido”, que transforma drama pessoal em palco político. É narrativa pura, explorada até o limite.
Filipe Barros (PL-PR) — O Nacionalista de Paletó
Presidente da Comissão de Relações Exteriores, o vomitativo Filipe Barros é o rosto da ala nacionalista. Seu discurso mistura patriotismo exacerbado, militarismo e ataques constantes ao governo federal.
Assim como os demais, fala para a plateia online, não para os colegas de plenário. Seu objetivo é alimentar a polarização, não construir pontes.
O Fenômeno do Ego Parlamentar
O denominador comum entre esses nomes é cristalino: política como palco, ego como bandeira. Não importa se o projeto é viável, se a lei é aplicável, se o discurso tem base jurídica. O que importa é aparecer, lacrar, viralizar.
Enquanto isso, pautas estruturais: educação, saúde, meio ambiente, ficam de lado. É como se o Congresso tivesse virado um stand-up interminável: piada pronta, memes em tempo real e um público fiel aplaudindo de casa.
O impacto no Brasil real e o preço da ilusão
Enquanto os holofotes estavam voltados para as bravatas, lives e discursos inflamados, o Brasil real, aquele da esquina com o boteco, da fila do SUS, da gasolina que não para de subir, ia sangrando em silêncio. Porque, no fundo, o grande truque do bolsonarismo foi fazer barulho o bastante para que a plateia esquecesse o que acontecia nos bastidores. Era fumaça, muito fogo de artifício e pouca responsabilidade.
Polarização como negócio
A lógica era simples: dividir para governar. Quanto mais o brasileiro brigava no grupo de WhatsApp da família, menos atenção dava à condução do país. O churrasco de domingo virava duelo de gritos, a mesa de Natal se transformava em campo minado. O bolsonarismo sabia explorar como ninguém essa fratura. Afinal, manter o país rachado em dois blocos era a melhor forma de manter sua base fiel e intimidar qualquer oposição.
Essa estratégia não é nova. Ditaduras sempre usaram o medo e a divisão como armas. A diferença é que, agora, isso se deu em plena democracia, com internet ilimitada e memes distribuídos como bombas caseiras. O resultado foi uma sociedade esgotada, vivendo em constante estado de guerra fria doméstica. O inimigo não estava apenas em Brasília, mas sentado no sofá ao lado, com a camiseta da seleção.
Instituições corroídas
Enquanto o cidadão médio perdia a paciência com a tia bolsonarista, as instituições sofriam ataques diretos. O STF foi transformado em vilão de novela mexicana. O TSE virou saco de pancadas. O Congresso virou picadeiro, com deputados disputando quem faz a performance mais espalhafatosa para ganhar engajamento. Na época de Bolsonaro presidente, o Executivo, em vez de governar, parecia funcionar como uma espécie de stand-up improvisado de mau gosto, com ministros caindo um a um em ritmo de dança das cadeiras.
Essa corrosão institucional, claro, teve consequências profundas. Quando um presidente acusa seu próprio sistema eleitoral de fraude sem provas, ele não atinge só o STF, atinge a confiança do povo no voto. E confiança, uma vez quebrada, não se reconstrói com meia dúzia de discursos bonitinhos. É como tentar colar porcelana com cuspe.
Saúde e meio ambiente na UTI
Nada simbolizou melhor esse descaso do que a pandemia. O Brasil assistiu a cenas dignas de filme de terror: hospitais lotados, oxigênio faltando em Manaus, covas coletivas abertas às pressas. E, no meio disso, a liderança do país zombava de vacina, debochava de mortos e empurrava “tratamentos” sem eficácia. A vida virou estatística, e a morte, combustível de discurso político.
No meio ambiente, o estrago foi igualmente brutal. A Amazônia virou palco de queimadas recordes, garimpo ilegal e desmatamento desenfreado. Enquanto isso, ministros diziam abertamente que era hora de “passar a boiada”. O verde da floresta foi trocado pelo verde do dólar fácil, e o país se tornou pária internacional em matéria ambiental.
O impacto disso não é só ecológico: é econômico, é diplomático, é cultural. Um país que desdenha da própria floresta manda ao mundo a mensagem de que está disposto a rifar o futuro por meia dúzia de votos no Congresso.
Corrupção e impunidade reeditadas
E para aqueles que acreditaram na promessa de um governo incorruptível, veio o choque: rachadinhas, orçamento secreto, pastores vendendo bênção em troca de verba, roubo das joias, militares recebendo propina. O discurso moralista se dissolveu na prática clientelista mais velha do que andar pra frente. O que havia de “novo” era só a maquiagem. Debaixo dela, a mesma velha política, só que mais barulhenta e menos disfarçada.
O custo da ilusão
No fim das contas, o que o bolsonarismo deixou de herança não foi apenas um governo caótico, mas uma forma de encarar a política como espetáculo, como se governar fosse sinônimo de entreter. O problema é que, diferentemente de novela, aqui não há “fim da temporada”. A conta chega em inflação, em desemprego, em isolamento internacional, em democracia fragilizada.
E o mais perverso: o bolsonarismo ensinou uma parte da população a não acreditar em nada. Nem em ciência, nem em instituições, nem em imprensa. É como se o país tivesse sido treinado a desconfiar de tudo, menos do próprio mito. E essa descrença é veneno lento: não mata de imediato, mas vai corroendo a capacidade de uma sociedade construir consensos mínimos.
O karaokê desafinado da política
O bolsonarismo, em última instância, é karaokê mal ensaiado em bar de beira de estrada. Há quem ria, há quem aplauda por compaixão, há quem grave pra postar depois. Mas ninguém sai dali achando que ouviu música de verdade. A diferença é que, no palco político, o preço não foi só a cerveja quente ou a ressaca do dia seguinte. O preço foi uma democracia cambaleante, arranhada, ainda de pé, mas claramente cansada da surra.
E aqui fica a reflexão: se o bolsonarismo é um fenômeno que mistura religião, ódio, fake news e vaidade, será que o Brasil vai conseguir escapar desse feitiço tão cedo? Ou será que estamos condenados a viver num eterno reboot dessa série trash, sempre com elenco renovado, mas roteiro igualmente previsível?
Se depender da história, há esperança. Mas se depender da plateia que ainda grita “mito” em praça pública, talvez o karaokê desafinado ainda tenha algumas rodadas pela frente. O desafio é não deixar que a desafinação vire trilha sonora oficial do país.
Sem anistia!
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