Um conto chamado O Anel de Fedora
Fedora fora criada com todos os mimos que uma menina de sua estirpe comporta. Estudara nos melhores colégios. Educada e linda. Era prendada. Com seu talento nato para cozinha preparava deliciosos quitutes e doces de fazer inveja aos melhores confeiteiros da região. Além disso, criava lindos bordados que produzia em larga escala.
No alto de seus 16 anos, a linda donzela, filha de Alba e do Sr. Pedro Rocha, possuía quase tudo que uma menina em sua idade pudesse querer. Além disso, seu noivo, um jovem e bem sucedido empresário a mimava com flores, poemas e amor. Suas amigas, sempre dispostas a lhe agradar, no fundo desejavam ser Fedora.
Alheia aos estragos que fizera à filha única, Alba em toda sua altivez nata, era ainda mais bela e cheia de energia que Fedora. Alba não percebia que incomodava a filha. Sim, apesar de todas as qualidades, caprichos e vontades, Fedora não se conformava em saber que sua mãe era ainda superior.
Fedora vs Alba
Em tudo Alba era mais que ela. O lugar que sua mãe possuía em casa, principalmente em sua vida, em outras palavras, irritava Fedora em seu íntimo mais obscuro.
Nunca, nem por um segundo a jovem deixou no ar o pérfido sentimento que nutria por sua mãe. Da mesma forma, manter isso oculto da família, era desgastante.
Seu pai, homem altivo que se derretia aos encantos da esposa, irritava profundamente Fedora quando demonstrava qualquer tipo de afeto por Alba, uma inimiga a ser combatida por Fedora. Sua própria mãe.
Presente
No dia do aniversário de 35 anos de Alba, Pedro Rocha presenteou sua adorada esposa com a joia mais linda que um ourives poderia confeccionar. Um anel adornado por um delicadíssimo diamante passara a enfeitar as mãos de Alba e a envenenar o coração de Fedora.
– “Por quê não fui presenteada com essa joia em meus 15 anos? Era eu quem devia possuir esse anel. Eu mereço mais do que ela”, destilava Fedora o seu veneno em silêncio.
A partir dessa data, a situação entre mãe e filha ficou insustentável. O ciúme, a raiva e a inveja que Fedora nutria por sua mãe, antes sufocada, desde o aniversário passou a quase substancial.
Em outras palavras, Alba sentia que o amor de sua filha definhava a olhos vistos. Na realidade um amor forjado, jamais sentido. Fedora nunca amara sua mãe. Esse sentimento só era ofertado a si mesma. Ela nunca amou ninguém. Bastava-se. Pronto.
Achando fazer o certo, Alba cada vez mais procurava a atenção da filha e o dinheiro que a família possuía jamais fora poupado para suprir os caprichos de Fedora, por exemplo. A Senhora Rocha acreditava que o dinheiro poderia comprar tudo, até mesmo o amor de sua filha. Portanto, nada adiantava e o pior ainda estava por vir.
O pesadelo de Fedora
Numa tarde de primavera, no retorno de um agradável passeio com seu marido em volta do lago principal da cidade, Alba retornava para casa consumida pela alegria dos raios de sol. Absorta em seu estado de graça, não notou quando um homem aproximou-se sorrateiramente e, de súbito, encostou o cano do revolver nas costas de Pedro. A intenção era roubar as jóias, colar e anel, que Alba orgulhosamente ostentava.
Na tentativa de defender a esposa, Pedro reagiu naturalmente empurrando Alba para o lado. Fato que assustou o ladrão, que em seguida disparou o revólver, descarregando os seis tiros no casal. Quatro balas perfuraram o corpo de Pedro, que chegou a ser encontrado com vida pela equipe de socorristas, mas devido aos ferimentos, faleceu a caminho do hospital.
Alba, a doce e gentil Alba falecera na hora. Dois tiros no peito. Duas vidas perdidas a troco de nada. O homem que tentou assaltá-los fugira após os disparos. Não encontraram o assassino, apesar das buscas intensivas da polícia, por tratar-se de uma família de nobres da região.
O anel
Fedora recebera a notícia da tragédia com pesar. O sentimento que nutria por sua mãe tornara-se ínfimo diante da dor da perda. Seus pais se foram para sempre. Em casa apenas os bens materiais. Bens de uma riqueza que jamais supriria o amor paterno. Apesar de todo o dinheiro o amor incondicional que lhe alimentava o espírito, não estaria mais ao seu lado.
No dia do velório de Alba e Pedro, toda a alta sociedade veio prestar as últimas homenagens ao ilustre casal. De pé, ao lado das urnas com os corpos, recebendo pesares de amigos e parentes, estava Fedora. Não mais aquela menina mimada, mas uma mulher, envelhecida anos em algumas horas.
Só, apenas sua dor como companhia, quando chega seu noivo. Após uma breve troca de palavras de conforto, permanece ao seu lado na cerimônia – “Bonito anel”, ele disse, pra disfarçar a tristeza. Fedora caiu em prantos cobrindo o rosto com as mãos ornadas pelo anel que fora de sua mãe.
por Sal
Sobre um conto chamado O Anel de Fedora
“Bonito anel”, ele disse, pra disfarçar a tristeza.
A partir dessa frase o conto “O Anel de Fedora” foi criado, para um exercício da aula de Redação, na faculdade de Jornalismo, da Univali, nos anos 2000.
A proposta é que cada aluno, com uma frase apenas, dada pelo professor aleatoriamente, criasse um texto.
Lembro que minha reação foi de preocupação. Achei difícil a proposta. Mas, por outro lado, gosto de desafios. Acima de tudo, gosto de criar, de escrever. Abracei a causa e assim surgiu O Anel de Fedora.
Também gosto de utilizar em meus textos palavras pouco usuais, como “pérfido”, “alheia”, “altivez”… todas inconcebíveis em um texto jornalístico, ou mesmo para um post de um blog. Como resultado, sempre tive poucas oportunidades em usá-las.
Agora a memória não me deixa lembrar se era da aula da Silvia Quevedo ou Laura Seligman, ou Sandro Galarça … portanto, já cito os três de uma vez para não ser injusto.
Não sei porque escolhi o nome Fedora. Acho que para mim soava pomposo e eu queria remeter a uma época antiga, mais romântica. Da mesma forma queria um nome sonoro, forte.
E lá se vai mais de uma década. Além disso, a memória do velhinho aqui já não é mais a mesma!
Saudades das aulas, dos professores e da turma!
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