A Cabeça e o pé na porta da frente: 40 anos de The Head on the Door, do The Cure


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Se alguém te dissesse, lá em 1985, que o The Cure, aquela banda de “garotos pálidos fazendo trilha sonora pra almas angustiadas”, se tornaria uma das maiores referências do pop alternativo mundial, talvez você risse. Ou chorasse, dependendo do dia. Mas foi com The Head on the Door que Robert Smith e sua trupe deixaram de ser apenas os donos do porão mais dark da Inglaterra e passaram a pintar murais sonoros no centro da festa.

Sim, foi nesse disco que Robert aprendeu a sorrir sem apagar a sombra. E o melhor: trouxe todo mundo junto nessa dança meio torta, meio linda, meio desesperada.

O Ano era 1985. A década estava no pico do seu ego

Enquanto Madonna fazia pose na capa da Rolling Stone e o Live Aid salvava o mundo em tempo real, o The Cure lançava o sexto álbum de estúdio, em 26 de agosto, um disco que falava de memórias, traumas, amores evaporados, dores reais e outras “bobagens” que só quem sente entende.

Depois de uma fase caótica e experimental com Pornography (1982) e do romantismo dream pop de The Top (1984), Robert Smith resolveu parar de brigar com a própria mente por cinco minutos e escrever um álbum inteiro sem suicidar cada refrão. O resultado? Um dos discos mais ecléticos e provocativos da carreira da banda.

Com produção assinada por ele mesmo e David M. Allen, o disco chegou no embalo da nova formação da banda, com o retorno do baixista Simon Gallup e a entrada do baterista Boris Williams (ex-Thompson Twins). Era como se Smith finalmente tivesse encontrado o time ideal pra traduzir seus delírios em algo mais… palatável? Bom, ainda era The Cure, mas agora dava pra dançar. E isso foi revolucionário. As danceterias do Rio tocavam esse disco sem parar!


Uma cabeça, muitas portas

O nome do disco veio de uma linha no refrão de “Close to Me”: “That my head on the door”. Uma metáfora perfeita pro disco: é um passeio pelas várias salas emocionais de Robert, onde cada faixa é uma chave diferente.

A diversidade sonora é tanta que parece até coletânea. Tem flamenco, tem gótico, tem new wave de rádio FM, tem psicodelia, tem pop pra chorar sorrindo. É o Robert Smith dizendo: “eu posso fazer tudo isso, e ainda usar batom preto”.

Faixa a faixa: uma cabeça cheia de mundos

1. In Between Days
A porta já abre chutando nossas cabeças. Um hit instantâneo, pop na medida, com guitarras saltitantes e letra melancólica. É o Smith fazendo trilha sonora pra correr na chuva com o coração partido. Dá vontade de abraçar a dor e dançar com ela.

2. Kyoto Song
Entra um piano esquisito, sons orientais, um clima de suspense. Letra sombria, clima meio Lynchiano. Ouvindo com fone, parece que tem alguém atrás da porta.

3. The Blood
A guitarra flamenca aparece do nada e te leva pra uma tour espanhola psicodélica. Uma das mais inusitadas da carreira do Cure, e uma prova de que Smith estava afim de explorar novos mundos. Estranha? Sim. Irresistível? Também.

4. Six Different Ways
Brinquedos infantis endiabrados e melodia de caixa de música possuída. Parece trilha de desenho animado feito por David Cronenberg. E no fim, ainda soa bonito.

5. Push
Uma explosão instrumental abre caminho pra uma das faixas mais libertadoras do disco. Rock alternativo de primeira, com guitarras ensolaradas e letra aberta à interpretação. Smith correndo de si mesmo e se achando pelo caminho.

6. The Baby Screams
Aqui a tensão volta. Um groove hipnótico, bateria seca, gritos contidos. Um pop sombrio de balada noturna onde ninguém dança olhando nos olhos.

7. Close to Me
O hit. A faixa que colocou o The Cure no topo das paradas e nas pistas indie de todos os tempos. Bizarra, sexy, claustrofóbica. A respiração de Smith no começo é quase uma confissão. O clipe com a banda presa no armário foi a cereja do bolo gótico. Desta letra saiu o nome do disco!

8. A Night Like This
Saxofone dramático, letra de partir a alma. Uma das mais elegantes do disco, com um clima de despedida que corta como navalha. Quase jazz punk. Uma das maiores músicas da banda. Ponto.

9. Screw
Essa aqui parece sob efeito de ácido. Baixo distorcido, bateria tribal, gritos. O Smith mais sujo e agressivo do disco. Punk em espírito, mesmo vestido de preto de veludo.

10. Sinking
O encerramento ideal. Lenta, densa, profunda. Parece um lamento afundando em si mesmo. Um final melancólico que te deixa em silêncio por alguns segundos depois que termina.


Por que esse disco importa?

Porque ele marca a síntese entre o sombrio e o acessível, entre o pop e o esquisito. Ele abriu portas, no som da banda, na forma como o público indie lidava com o mainstream, e até na indústria que começou a olhar pros “estranhos” com outros olhos.

The Head on the Door é um daqueles discos que você ouve na juventude, entende na maturidade e chora por nunca ter visto ao vivo.

É também a prévia do que viria nos anos seguintes: Kiss Me Kiss Me Kiss Me, Disintegration, Wish. Tudo começa aqui, com uma cabeça na porta e o coração no chão.


E se você chegou até aqui…

…é porque o som do The Cure também abriu alguma porta dentro de você. Bora trocar ideia?
A live completa sobre os 40 anos do álbum já está disponível no canal.
Deixa teu comentário, compartilha com quem viveu os anos 80 ou com quem ainda acha que gótico não sorri.

Assista abaixo no YouTube… Léo Siqueira e Marcelo Scherer deram uma aula sobre o tema!
Porque aqui, a gente não ouve só com os ouvidos.
A gente ouve com alma e cafeína.


Sal

Jornalista, blogueiro, letrista, já fui cantor em uma banda de rock, fotógrafo, fã de música, quadrinhos e cinema...

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