B+P: A Nova Versão de ‘Preciso Me Encontrar’

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Ana Blancato e André Paumgartten

Como dizia o poeta, “a vida é feita de encontros”. Às vezes de reencontros. Uma canção lançada originalmente em 1976 na voz do Cartola, composta por Candeia, ganhou uma nova versão pelo duo ‘trip hop tropical’ B+P. O resultado é uma ponte entre o samba carioca das vielas e a eletrônica introspectiva das metrópoles. Uma releitura que respira passado e pulsa no presente, como se o tempo fosse dobrado sobre si mesmo.

Candeia

Cartola e “Preciso Me Encontrar”: um relicário da liberdade

Preciso Me Encontrar é uma espécie de manifesto musical, onde a dor, o desejo e a busca pessoal se entrelaçam em versos concisos e melodia fluida. É um samba confessional: “Deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar”, canta Cartola com sua voz suave.

Esse tipo de música sobrevive ao tempo porque é humana demais, fala de alma, de afeto, de deslocamento emocional. Sempre teve ganchos com jazz, com chorinho, com poesia pura. Quem reescreve isso não pode perder a leveza nem sufocar a essência.

Cartola, álbum de 1976

Quem são B+P: dupla de inquietudes e texturas sonoras

Antes de mergulhar na versão, vale olhar para quem aceitou esse desafio. O B+P surge como união de duas trajetórias que respiram experimentação. Formado em Uberlândia (MG), por Ana Blancato e André Paumgartten, o duo apresenta uma mistura inusitada de trip-hop e brasilidades, incluindo sons nordestinos, nortistas e de referências afro-brasileiras.

Eles caminham entre o eletrônico, o trip-hop, o jazz e as brasilidades, criando atmosferas densas, repletas de suspiros, pausas e microtexturas. Posso imaginar: eles escutam Portishead, Massiva Attack, mas também Cartola, Dorival Caymmi, Hermeto Pascoal, não como contradição, mas como um diálogo interno. O que me encanta no B+P é essa postura de “não-lugar sonoro”, de buscar na fronteira entre gêneros os espaços de silêncio, sombra e luz.

A estética deles não é de brilho gritante, mas de luz contida, daquela que refugia o ouvinte no meio da pista escura, onde se ouve o próprio pulso.


A releitura: contrastes e sutilezas

Quando ouço B+P – Preciso Me Encontrar, clico um botão mental: atenção ao detalhe. Eles não fazem remake, fazem reparação afetiva. A faixa abre com uma ambientação leve, texturas percursivas, uma batida que caminha devagar, sem pressa. A voz entra, sempre firme, com identidade própria, como se emergisse de uma névoa.

O mais extraordinário: isso continua sendo Cartola, não um cover frio. Porque o B+P reafirma o “eu” poético da canção, mas o posiciona num outro tempo, o dos ouvidos modernos, eletrônicos, urbanos.


Por que revisitar clássicos com coragem é preciso?

Quando artistas ousam refazer um clássico, correm dois perigos: ou perdem a identidade original (virando algo excessivamente “nova versão”) ou não acrescentam nada (ficando caricato). O B+P acerta no equilíbrio: ele respeita a estrutura emocional de “Preciso Me Encontrar”, mas tem pulso para reinventar.

Esse tipo de trabalho confirma algo que sempre digo: a cultura, quando pulsante, se dobra, se dobra de novo, e ressurge. Não é uma cópia nem uma apropriação; é continuação. É uma fagulha que acende outras fagulhas.

Quando Cartola cantava “preciso me encontrar”, talvez não imaginasse que outros artistas, décadas depois, fariam dessa mesma canção um mapa emocional para novas gerações. O que nos une ao passado é essa capacidade de reinventar, de ouvir velhas palavras e reconhecer, nelas, pedaços de nós mesmos.


Escute agora

Convido você a ouvir a versão do B+P no Spotify: Preciso Me Encontrar ouça aqui (Spotify)
Preste atenção ao que acontece nos segundos 0:45 a 1:20 — ali as camadas começam a se revelar com nuances que merecem atenção.

Depois disso, volte aqui, relê o texto e me diz: o que te tocou mais? Que imagem musical surgiu na sua cabeça?

No fim, é isso que importa: a música continua a nos encontrar, seja no samba, seja na eletrônica, seja naquilo que você sente enquanto escuta.


Sal

Jornalista, blogueiro, letrista, já fui cantor em uma banda de rock, fotógrafo, fã de música, quadrinhos e cinema...

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