Angela Ro Ro (1949–2025): a vida, a obra e a eternidade da cantora

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Na segunda-feira, 8 de setembro de 2025, o Brasil perdeu uma das vozes mais marcantes e autênticas da música popular: Angela Ro Ro, morta aos 75 anos, no Rio de Janeiro, após quase três meses internada no Hospital Adventista Silvestre, tratando complicações de uma infecção grave que culminaram em uma parada cardíaca. A informação foi confirmada por familiares e veículos de imprensa, entre eles O Globo, Veja e CNN Brasil. Com isso, se encerra a trajetória de uma artista que não apenas cantou, mas viveu cada canção como se fosse a última.

E aqui cabe o registro: não estamos falando apenas de uma cantora que partiu, mas de um patrimônio da música brasileira que permanece vivo em cada acorde.


Um começo de intensidade

Nascida Angela Maria Diniz Gonsalves, em 5 de dezembro de 1949, no Rio de Janeiro, ela começou cedo na música: aos cinco anos já estudava piano clássico, e desde pequena seu timbre rouco, que lhe valeu o apelido “Ro Ro”, a diferenciava.

Antes mesmo da estreia oficial, já deixava suas digitais: tocou gaita em “Nostalgia”, faixa do álbum Transa de Caetano Veloso, de 1972. Mas foi em 1979 que o Brasil conheceu de fato a tempestade chamada Angela Ro Ro, com o disco homônimo. Ali estavam “Amor, Meu Grande Amor”, “Gota de Sangue”, “Agito e Uso”, “Balada da Arrasada” e “Tola Foi Você” — canções que não apenas marcaram época, mas se tornaram trilhas existenciais para quem já amou, já sofreu e já precisou gritar suas dores ao vento.


Os anos de escândalo

A década de 1980 seria a consagração de uma artista sem filtros. Veio Só Nos Resta Viver (1980), seguido por Escândalo! (1981), cuja faixa-título foi composta especialmente por Caetano Veloso, a pedido de Angela. O disco cuja capa simulava a primeira página de um jornal sensacionalista, era o prenúncio perfeito de sua persona pública: explosiva, polêmica, irresistível.

Angela era assim: cantava o que sentia, dizia o que pensava e vivia como queria. Numa época em que a homossexualidade ainda era tabu, ela se afirmava de peito aberto. Numa indústria que pedia docilidade, entregava intensidade. Numa sociedade que queria moldar, ela se recusava a caber na fôrma.


A Mulher e suas fases

Como todo grande artista, Angela atravessou fases. Houve momentos de brilho escandaloso, de consagração, mas também de sombras: crises de saúde, problemas financeiros, conflitos pessoais. No entanto, é aí que reside sua grandeza. Ela nunca escondeu suas fragilidades.

Nos anos 2000, após abandonar vícios, ela lançou Acertei no Milênio (2000) e voltou ao estúdio com força criativa. Teve até talk-show no Canal Brasil, chamado Escândalo, onde recebia artistas para conversar sobre música e vida. Já nos anos 2010, surpreendeu com o álbum Selvagem (2017), que mostrou que a garra e a ousadia permaneciam intactas.

Durante a pandemia, expôs ao público suas dificuldades financeiras, pedindo ajuda e fazendo lives. Longe de diminuir sua imagem, isso a humanizou ainda mais. A gigante que também sangra, que também precisa, que também se mostra vulnerável.


Algumas faixas de seu legado

Se Angela Ro Ro fosse um disco, seria desses de lado A e lado B igualmente poderosos. Vamos a algumas das faixas essenciais desse repertório de vida:

  • “Amor, Meu Grande Amor” — o hino da paixão absoluta, gravado também pelo Barão Vermelho e outros artistas, mas sempre pertencente a ela.
  • “Gota de Sangue” — dor e intensidade derramadas em melodia, retrato de um coração dilacerado.
  • “Balada da Arrasada” — o título já entrega: melancolia e ironia de mãos dadas.
  • “Escândalo” — não só uma música, mas um manifesto: a vida como provocação, a arte como manchete.
  • “Selvagem” — título do disco de 2017, que trouxe de volta a Angela indomável, revisitando sua própria essência.

Cada canção é quase um diário aberto. Ouvir Angela é entrar na sua casa, sentar-se ao piano e dividir com ela um trago, um riso, uma lágrima.


Uma artista à frente do tempo

Muito antes da palavra “representatividade” virar pauta, Angela Ro Ro já representava. Mulher, homossexual assumida, artista visceral. Foi inspiração para gerações LGBTQ+, para mulheres que não aceitavam a mordaça e para músicos que buscavam autenticidade.

Não à toa, a Rolling Stone Brasil a colocou entre as 50 maiores vozes da música brasileira, na 33ª posição. Uma honraria que confirma o óbvio: sua voz era não apenas bela, mas irrepetível.


Entre a saudade e a eternidade

Agora que Angela nos deixa, fica a sensação de um vazio imenso. Mas também a certeza de que ninguém some de verdade quando deixa um legado tão forte. Sua obra seguirá sendo redescoberta por jovens, revisitada por estudiosos, regravada por intérpretes e, sobretudo, sentida por corações que precisam daquela mistura rara de dor e prazer que só ela sabia cantar.

Angela foi tempestade, foi escândalo, foi selvagem. E, acima de tudo, foi verdade.


Angela pra sempre!

Angela Ro Ro não cabe em um obituário. Ela merece ser estudada, cantada, celebrada. Sua discografia é um mapa das emoções humanas, um guia de como viver intensamente, tropeçar, levantar e ainda rir do próprio tombo.

E é isso que fica: um chamado para não sermos mornos. Porque, se é para viver, que seja como Angela cantou: com amor, com escândalo e com coragem.


📌 Angela Ro Ro (1949 – 2025). Sua voz se cala, mas seu eco será eterno.

Sal

Jornalista, blogueiro, letrista, já fui cantor em uma banda de rock, fotógrafo, fã de música, quadrinhos e cinema...

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