Construção de Chico Buarque é relançado em LP

“Amou daquela vez como se fosse a última / Beijou sua mulher como se fosse a última / E cada filho seu como se fosse o único / E atravessou a rua com seu passo tímido…”, são os versos de Construção, do disco homônimo do cantor e compositor Chico Buarque, lançado em 1971. Este lançamento marca a carreira de Chico por trazer uma evolução poética em relação aos álbuns anteriores, com letras marcadas por forte consciência social e política.

Construção é o primeiro álbum gravado inteiramente por Chico, após seu retorno do exílio na Itália, um ano antes. A série Clássicos em Vinil, da Polysom apresenta este marco da MPB em um primoroso relançamento no formato LP, com o encarte da edição original e áudio remasterizado para vinil. Se você pode ter somente um disco de Chico em sua coleção, este é o certo! Fundamental!

O clássico álbum marca ainda um aprimoramento nos arranjos das canções de Chico, feitas pelo maestro Rogério Duprat e Antônio José Waghabi Filho, o Magro do grupo MPB4. Além da clássica faixa-título, Construção é composta por algumas obras-primas da carreira de Chico Buarque, como Valsinha (parceria com Vinícius de Moraes), o marcante samba Cotidiano e Minha História (versão da canção original italiana 4 marzo 1943 (Gesù Bambino), composta por Lucio Dalla e Paola Pallotino).

Vale destacar que a letra da faixa Construção é inspirada na vida e morte de um operário. A sequência de palavras é desconstruída depois da primeira parte narrar o trágico desfecho do personagem enquanto o arranjo de Rogério Duprat cria a sensação vertiginosa sobre a progressão melódica de toda a canção. A canção termina com os versos da primeira faixa do disco, Deus Lhe Pague.

Já Minha História narra no original em italiano o que acontecia com mães solteiras adolescentes, sob a ótica dos filhos, frutos de relacionamentos com soldados estrangeiros no período da 2° grande guerra. Chico adaptou a letra para o português para a visão de um filho de uma prostituta de caís. A versão italiana foi premiada com o 3º lugar do Festival de San Remo de 1971.

Letras 

⇒ Construção

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado

Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair
Deus lhe pague

Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague!

⇒ 4 marzo 1943 (Gesù Bambino)

Dizem que era um belo homem e vinha, vinha do mar,
falava uma outra língua porem sabia amar.
E naquele dia ele possuiu a minha mãe sobre um belo prado
A hora mais doce antes de ser morto.

Assim ela ficou sozinha no quarto, o quarto no porto,
Com o único vestido a cada dia mais curto.
E apesar de não conhecer o nome e nem o país,
Me esperou como um dom de amor desde o primeiro mês.

Fazia dezesseis anos naquele dia a minha mãe,
As estrofes de taverna as cantou como nana-nenê.
E apertando-me ao peito que sabia, sabia de mar,
Brincava de fazer a dona com o nenê para enfaixar.

E quiçá foi por brincadeira, o talvez por amor,
Que quis me chamar como Nosso Senhor.
Da sua breve vida, é a maior lembrança
Está toda nesse nome que eu carrego comigo.

E ainda hoje que brinco com cartas e bebo vinho,
Para gente do porto me chamo menino Jesus.
E ainda hoje que brinco com cartas e bebo vinho,
para gente do porto me chamo menino Jesus.

⇒ Minha História 

Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar
Eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar
Sei que tinha tatuagem no braço e dourado no dente
E minha mãe se entregou a esse homem perdidamente, laiá, laiá, laiá, laiá

Ele assim como veio partiu não se sabe prá onde
E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe
Esperando, parada, pregada na pedra do porto
Com seu único velho vestido, cada dia mais curto, laiá, laiá, laiá, laiá

Quando enfim eu nasci, minha mãe embrulhou-me num manto
Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo
Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher
Me ninava cantando cantigas de cabaré, laiá, laiá, laiá, laiá

Minha mãe não tardou alertar toda a vizinhança
A mostrar que ali estava bem mais que uma simples criança
E não sei bem se por ironia ou se por amor
Resolveu me chamar com o nome do Nosso Senhor, laiá, laiá, laiá, laiá

Minha história e esse nome que ainda hoje carrego comigo
Quando vou bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá, laiá, laiá.

Sal

Jornalista, blogueiro, letrista, já fui cantor em uma banda de rock, fotógrafo, fã de música, quadrinhos e cinema...

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