Raul Seixas | Um cometa tropical na constelação brasileira

Falar do Raul é, antes de tudo, mergulhar numa das almas mais inquietas, livres e provocadoras que o Brasil já viu. Um artista que não apenas cantou o seu tempo, mas que rasgou o tempo com guitarras, gargalhadas, filosofia e poesia marginal. Raul Seixas foi mais do que um cantor, mais do que um compositor ou showman. Ele foi um acontecimento cultural. Um raio que não caiu só uma vez.

Raul ousou existir fora da curva. Enquanto boa parte do mainstream andava de mãos dadas com o mercado, ele batia de frente com as convenções. E fazia isso com humor, com erudição marginal, com faro de visionário e com a coragem de um louco manso que sabia exatamente o que estava fazendo.

Foi um dos primeiros a entender que o rock era mais do que som: era linguagem, era ruptura, era atitude, era alquimia entre o erudito e o popular. Misturou Elvis com cordel, esoterismo com baião, ocultismo com crítica social, Jorge Ben com Aleister Crowley. Um verdadeiro panteão ambulante, que carregava dentro de si os livros que leu, os filmes que viu, os discos que ouviu e os porres que tomou.

Raul nunca teve medo de se contradizer. O Raul de “Metamorfose Ambulante” não era só um verso bonito: era a própria essência de um artista em constante reinvenção. Que começa roqueiro baiano cheio de referências a Elvis, passa por produtor tropicalista, flerta com o progressivo, depois vira parceiro do Paulo Coelho, traz para sua tropa de músicos Rick Ferreira e Paulo Cesar Barros, transa alquimia e magia, depois samba com guitarras e termina parceiro de Marcelo Nova cuspindo verdades nuas e cruas, já em estado terminal, mas ainda tão vivo quanto sempre foi.

O que Raul fez pela música brasileira talvez, só agora esteja começando a ser compreendido. Ele foi o primeiro a mostrar que dava pra fazer rock em português sem pedir licença, que dava pra ser rebelde sem ser colonizado. Que dava pra pensar e dançar ao mesmo tempo. Que dava pra rir da própria desgraça enquanto se cantava contra o sistema.

Seu legado tá no som, nas frases que viraram filosofia de bar, nos discos que continuam vendendo, nas camisetas, nos memes, mas principalmente, está nas pessoas. Raul não criou apenas uma obra: criou uma legião de pensantes, provocadores, outsiders, malucos beleza e filhos da sociedade alternativa.

E é justamente por isso que ele incomoda até hoje.

Porque Raul não cabe em retrato. Não cabe em tributo chapa-branca. Não cabe em biografia pasteurizada. Ele vive no vinil, mas também vive nas vielas, nas rádios piratas, nos shows de garagem, nas conversas atravessadas, nos adolescentes que descobrem um disco velho e sentem que alguém os entendeu profundamente, sem nunca tê-los conhecido.

Raul Seixas faz 80 anos, mas continua mais jovem do que a maioria dos artistas atuais. E mais relevante do que nunca.

O Brasil talvez ainda não tenha entendido Raul por completo — e talvez nem devesse. Porque Raul é desses que não se entendem: se sentem. Se vivem. Se ouvem alto, até a alma chacoalhar.

Se Raul tivesse que ser definido em uma frase, talvez fosse esta:
“Ele foi o som de uma alma inquieta, tentando, desesperadamente, acordar um país adormecido.”

E cá entre nós… ainda tá tentando.

Sal

Jornalista, blogueiro, letrista, já fui cantor em uma banda de rock, fotógrafo, fã de música, quadrinhos e cinema...

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